Investigador brasileiro está na Finlândia a desenvolver modelo estatístico para medir a abundância das aves na floresta amazónica a partir da gravação de sons. Tecnologia pode vir a ser aplicada a outros animais com vocalizações, como anfíbios ou primatas.
Como é a vida das aves que se escondem nas copas das árvores da
Amazónia? É essa a questão que Ulisses Camargo quer responder. Durante o
mestrado, este investigador brasileiro reuniu 2000 horas de gravação de sons da
floresta, mas apenas ouviu cerca de 300 horas. Agora, o doutoramento que está a
fazer na Universidade de Helsínquia, na Finlândia, tem como objectivo
desenvolver um programa informático com base estatística para identificar, pelo
canto, quais as espécies de aves presentes, em que número e a sua distribuição
espacial.
No final do doutoramento, em 2016, o cientista quer ter um instrumento
capaz de identificar os padrões geográficos da distribuição das aves na
Amazónia. Se tudo correr bem, poderá vir a utilizar este software para
analisar 12.000 horas de sons que, entretanto, já foram gravadas. Assim, será
possível perceber quais são as diferenças ecológicas na Amazónia entre a
floresta primária, pristina, e a floresta secundária que, no passado, foi
cortada para servir de pasto, mas onde as árvores voltaram a crescer.
O trabalho de campo começou em 2010. As gravações foram feitas a 80
quilómetros a norte de Manaus, numa região que é estudada no Projecto Dinâmica
Biológica de Fragmentos Florestais, que tenta há cerca de três décadas
compreender o impacto do desmatamento. Na região aparecem aves como o
papa-formiga-de-topete, o arapaçu-de-bico-curvo ou caga-sebinho-de-penacho.
Ali, foram colocados gravadores no tronco das árvores, entre os 1,5 e
1,8 metros de altura, em 150 pontos diferentes, que abrangeram uma área de
algumas centenas de quilómetros quadrados com floresta primária e floresta
secundária com 24 anos de idade. O alcance de cada gravador, que tinha um
microfone associado, era de 100 metros, por isso captaram-se sons no cimo das
copas das árvores, a 30 metros de altura.
O biólogo teve de ouvir ele próprio as gravações. A partir das
vocalizações das aves, conseguiu determinar as espécies presentes e identificou
190 na floresta primária e 150 na floresta secundária. Destas 150, apenas três
não existiam na floresta primária, que terão vindo de áreas mais abertas. Além
de ter ficado muito material por analisar, as gravações continuaram a fazer-se
todos os anos durante três meses, e só vão terminar agora em 2014.
“Como é que a gente pode explorar 100% destes dados? Como é que se pode
ouvir tudo? A resposta é um programa de computador que pode ouvir por nós”, diz
o biólogo, que foi desenvolver o programa no seu doutoramento, com orientação
de Otso Ovaskainen, um investigador que usa a matemática para compreender
fenómenos na biologia.
Ulisses Camargo quer que o seu modelo estatístico cumpra vários
objectivos. Por um lado, que consiga identificar correctamente que espécie é
que está a cantar. Por outro, que consiga determinar o número de aves que estão
a ouvir-se de cada espécie. Um exemplo é quando se ouve um canto a poucos
metros do gravador e depois um outro canto semelhante a muitas dezenas de
metros, ciclicamente. Neste caso, é mais provável que sejam “duas aves a
responder uma à outra do que uma ave a saltar de um lado para o outro que nem
uma louca”.
O biólogo deseja ainda obter um registo geográfico da origem do som. No
ano passado, testou na floresta um método de triangulação em que vários
gravadores detectaram um mesmo som artificial. Como os gravadores estão a
distâncias diferentes da origem do som, este fica registado a intensidades
diferentes e a partir daqui é possível localizá-lo na floresta.
Nas gravações, apanham-se muitos outros sons além dos das aves. “Você
pega macacos, insectos pega em 100% das gravações”, diz o cientista,
acrescentando que o modelo estatístico que sair do seu trabalho poderá ser
aplicado no estudo de outras espécies com vocalizações, como primatas ou sapos.
Apesar de não esperar descobrir novas espécies de aves, Ulisses Camargo
pensa poder identificar novos cantos de cada espécie. Além disso, irá ter um
testemunho áudio do dia-a-dia destas espécies sem interferência humana, algo
impossível nos trabalhos de ecologia onde se capturam as aves. “As espécies
estão por todo o lado, o que elas estão fazendo em toda a parte, ninguém sabe”,
diz.
Fonte: http://www.publico.pt/ciencia/noticia/a-procura-de-um-ouvido-matematico-que-distinga-os-sons-das-aves-da-amazonia-1627052#/0
Fonte: http://www.publico.pt/ciencia/noticia/a-procura-de-um-ouvido-matematico-que-distinga-os-sons-das-aves-da-amazonia-1627052#/0
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